sábado, 23 de octubre de 2010

Carmen Amaya " La Capitana" Mês de Novembro Aniversário e Luto uma singela homenagem



La Capitana

bailaora, cantaora, filha de tocaor, ou seja, senhoras e senhores,
a grande

Carmen Amaya


No ano de 1913, a natureza passou por Girona, olhou para uma família de ciganos pobres de pecúlio mas geneticamente ricos de música e dança e resolveu implantar num ventre um vulcão de aparência franzina e traços duros.
A primeira lava surgiu num dia de Novembro e a última viria a extinguir-se, no mesmo mês, cinquenta anos mais tarde. Ficamos a saber que os vulcões, ainda que imprevisíveis, também têm rins que se cansam.

O pai tocava guitarra e era conhecido por El Chino, a mãe cantava e a tia tinha garra nos pés e na voz, com direito ao cognome de La Faraona.

Apesar de na Catalunha o flamenco ser arte quase indiferente, Barcelona ficou estarrecida com os dotes de baile da menina de seis anos que acompanhava os acordes do pai, talvez o único a desprezá-la enquanto bailaora. Queria-a cantaora. A mãe, sonhava-a Total, enquanto lhe improvisava os vestidos com restos nómadas de tecidos.


E a carreira provou que el baile foi dominante, por muito que, pessoalmente, adore ouvir a voz áspera e sem colocação, como se fosse um prolongamento da demência do corpo.
Mais crescida, mas já precocemente casada, como manda a lei cigana, pasmou Madrid com o seu fogo vindo das entranhas da raça. Sem escola de letras nem dança, sem amor mas com paixão no corpo, deu raiva, violência, brutalidade, tragédia aos movimentos que inventava sem aviso.

A fúria haveria de ser a sua marca.

Era o sentimento feito carne na batida veloz do taconeo. E a sensualidade no ondear da anca, acentuada pelo traje masculino: calças de cintura alta, jaqueta curta.
Provocava los desatinos, aquele sentimento tão espanhol de soltar as rédeas à loucura.
A Guerra Civil apanhou-a em digressão, salvo erro em Valladolid, e fugiu para Lisboa com a família, irmãos incluídos, que cigano que se preze, para o bem e para o mal, nunca corta o cordão umbilical, mesmo para além da morte.

Aqui frequentou e actuou no Café Arcádia, trocou timbres com fadistas (mais tarde tornar-se-ia amiga de Amália e de Teresa de Noronha), provocou paixões assolapadas nos homens, ataques de ciúmes nas mulheres, e partiu para Buenos Aires, Nova Iorque e Hollywood.

Quando Roosevelt a convidou, com honra, para dançar na Casa Branca, já não precisava de vestidos feitos de restos. Já era modelo de beleza exótica, disputada por vários costureiros, desejada no ecrã de vários realizadores. Chamavam-lhe the savage, the wild gipsy queen.

Em Nova Iorque chegou ao Carnegie Hall. Feito raro. Fez, por sua ideia, um espectáculo com bailarinos de Ballet Clássico. Sem perceber nada do dito, conseguiu num só e único espectáculo, juntar duas danças completamente opostas.

Quantas vezes a doçura não tem laivos de raiva e a violência não tem escondido o fogo doido da paixão.

Voltando a Espanha e actuando em Madrid, o todo poderoso espectador Francisco Franco, muito pouco tolerante com ciganos que inventassem para além do morno flamenco turístico, servido a espanhóis instalados e a americanos a brincar à aventura, não teve outro remédio senão engolir uma dedicatória em alto e bom som a todos os ciganos presos, fosse em defesa dos seus (para nós cruéis e arrepiantes), códigos de honra, fosse por oposição política.

Mas engoliu com líquido. Ao fim e ao cabo, La Amaya, recebida por vários presidentes e reis mundo fora, publicitava tanto ou mais a glória postiça de Espanha que o touro Miura.

Apesar de autoritária, e com a arrogância típica de quem parece ter subido meramente empurrada pelo sopro do seu Deus, defendia que a força das mulheres deve servir para protecção e alimento escondido dos homens. Neste aspecto foi utilizada como modelo pela Igreja, de que Franco era fervoroso aliado e dependente.

Morreu, rodeada pela família e, suponho, pelos vários maços de tabaco diários, durante as filmagens de “Los Tarantos”, nada mais nada menos que a peça Romeu e Julieta de Shakespeare em versão sanguínea cigana, mais tarde coreografada para uma companhia, também cigana, de dança. Imperdível, se vos der jeito.
Ficou célebre o funeral com farta romaria de ciganos de várias partes quer de Espanha quer dos arredores. Afinal, até ao fim da vida, nunca deixou de participar em todos os rituais, como qualquer cigana anónima e maltrapilha.As sobrinhas, bailaoras e, de vez em quando, modelos têm tentado transmitir o estilo e as pouco protocolares poses. As opiniões dividem-se quanto ao sucesso da empresa. É, à partida, tarefa ingrata, convenhamos.E coreógrafos, bailarinos e mais gente de outras danças não tem resistido à tentação de lhe tentar traduzir o magnetismo e o mistério. Exercício de pura imaginação que era ela mulher de segredos bem guardados.Grande parte do bom flamenco que hoje se vê, obedece à técnica inovadora e revolucionária que lhe deu na cabeça criar. Sem, pelo menos aparentemente, método pensado. Talvez só suado no puro instinto.
Os teóricos que a sistematizem. Que esgravatem.


Vá-se lá saber que leis ou ordens regem os corações revoltos.

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